Os alunos são inimigos dos professores
José Luiz de Paiva Bello Rio de Janeiro, 2001.
Trabalhava numa instituição de ensino superior, na zona oeste do município do Rio de Janeiro, quando fui convocado para uma reunião de professores, pela coordenadora pedagógica. O local da reunião foi o auditório, onde cabiam um número maior de pessoas. A reunião começou com uma cobrança explícita aos professores que chegavam atrasados para o início das aulas. Maravilha! Professor tem que ser pontual. A solução dada ao problema, na minha opinião, é que foi totalmente idiota: foi determinado que na hora marcada para o início das aulas o livro de ponto, que ficava normalmente na Secretaria, local de passagem de todos os professores e alunos, seria levado para a sala da zelosa coordenadora, que ficava num segundo andar de outro prédio, para que ela soubesse quem estava se atrasando. Mas que idéia infeliz! Se o professor já estava chegando atrasado para iniciar sua aula, seja por que motivo for, iria se atrasar muito mais, em prejuízo dos alunos. E não foi dada a opção aos professores de assinar o ponto após a aula dada, já que, neste caso, seu ponto seria cortado e ele receberia falta neste dia, mesmo tendo dado a sua aula. Apesar da idéia infeliz e, de certa forma, mais policial do que pedagógica, alguma coisa deveria ser feita para cobrar os atrasos e evitar que tal fato virasse rotina. Sendo a faculdade particular com os alunos pagando mensalidades, mais do que justo que os professores fossem cobrados para serem pontuais. A reunião teve prosseguimento com a coordenadora dizendo que a partir do mês seguinte iria cobrar dos professores o plano de aula até o fim do semestre. Outra estupidez! Provavelmente ela estava (a coordenadora pedagógica!!!) confundindo plano de aula com planejamento do curso. Cobrar plano de aula para todo o semestre é não saber que o plano de aula é flexível, podendo ser mudado para a aula seguinte a partir do ritmo empreendido pela turma, naquele dia específico de aula. Sendo assim, o plano de aula seguinte deve atualizar o conteúdo não trabalhado na aula anterior. O objetivo, segundo a coordenadora, era o de apresentar aos alunos, no primeiro dia de aula, o conteúdo de todas as aulas do semestre, para o caso deles faltarem um dia saberem o que cada um perdeu. Esta segunda idéia infeliz não chegou a ser concretizada, já que a coordenadora, para felicidade geral da instituição, acabou por ser demitida por desentendimento com os proprietários da Faculdade. Mas o mais alarmante aconteceu logo depois, quando a coordenadora, falando sem parar com ares professoral, tentando se passar como amiga dos professores, falava que os alunos costumavam ir ao seu gabinete para fazer queixa de alguns professores. Dizia ela que, enquanto os alunos em sala tratavam os professores com toda fidalguia, na sala dela eram verdadeiros Brutus assassinando Júlio César. E fechou seu discurso, ainda como se fosse um portento pedagógico, com a grande "pérola" da noite: "Cuidado professores! Os alunos são nossos inimigos!". Não estivesse eu sentado numa poltrona com braços dos dois lados, eu teria caído no chão. Como assim? Nossos Inimigos? Mas a instituição não vive em função dos alunos? Inimigos estão contra mim; inimigos eu não quero perto de mim; para inimigos eu não trabalho. Essa visão preconceituosa sobre os alunos é mais comum do que podemos imaginar. Certa vez, um colega professor, demitido da instituição em que trabalhava, tentando justificar a razão de sua demissão, saiu-se com outra "pérola" pedagógica: "Eu não vou dar bananas a macacos!". Tentava justificar que ele ensinava e eram os alunos que não queriam aprender. No meu entender se eu trabalho no Jardim Zoológico tenho que dar bananas a macacos, sim; se trabalho numa instituição de ensino tenho que me desdobrar para que meus alunos aprendam. Todo planejamento e administração de uma instituição de ensino deve estar voltado exatamente para isso: a aprendizagem dos alunos. E a medida desse processo é exatamente o estudante. Supõe-se que uma instituição de ensino qualquer mantenha em seus quadros uma equipe competente visando contribuir para o desenvolvimento do saber dos alunos. Em se tratando de uma instituição particular de ensino essa relação é mais marcante do que nas instituições públicas. Mesmo considerando que a responsabilidade seja a mesma, nas particulares os alunos estão pagando para levar o saber. Ora, um professor não ministra uma disciplina para nada. Em última instância o dever do professor é permitir, facilitar, repassar, orientar, saber para os alunos, seja qual for sua postura ideológica diante da educação. O planejamento de uma disciplina não deve ser dirigida aos alunos; isso é muito pouco. O planejamento de uma disciplina tem que estar dirigida aos alunos, dita de forma autoritária, segura e definitiva. Oferecer uma aula de física quântica para alunos de pedagogia é tão inútil quanto oferecer uma aula de dificuldades de aprendizagem para alunos de Física. A orientação deste planejamento estará sempre ligada aos alunos. Neste sentido, a coordenadora pedagógica da instituição em que trabalhei está completamente enganada: os alunos são os melhores amigos dos professores ou dos planejadores da educação. É a partir deles, e não para eles, que deve estar a base de todo planejamento pedagógico. O contrário disso é arrogância profissional, insuflamento do próprio ego, pedantismo pedagógico e o exercício de uma pedagogia autoritária e sem sentido. É preciso entender que só existe educação por que existe aluno. Não é porque existem professores e planejadores educacionais que existe educação. Os professores existem em função dos alunos e para exercer suas competências a favor deles. Em última instância os professores estão a serviço de seus alunos, como o médico para o paciente, ou o advogado para seus clientes. Os alunos são os termômetros dos professores. É a partir do diálogo constante, democrático e objetivo, entre planejadores, professores e alunos, que se faz educação. Se quisermos falar de democracia no ensino temos que pensar na democratização das salas de aula. Democratizar a Educação não é somente dar a todos o direito de estudar, mas também o direito de estudar numa escola democrática. E a qualidade da educação está intimamente ligada às observações, às criticas emanadas por nossos amigos alunos. Ver os alunos como nossos inimigos é estarmos, concomitantemente, assinando o atestado de incompetência. Quanto mais os ouvimos, seja lá o que for que eles tenham para nos dizer, mais chegaremos perto de atingir os interesses daqueles que estão garantindo a nossa sobrevivência, quando vêm em busca de saber.
José Luiz de Paiva Bello Rio de Janeiro, 2001.
Trabalhava numa instituição de ensino superior, na zona oeste do município do Rio de Janeiro, quando fui convocado para uma reunião de professores, pela coordenadora pedagógica. O local da reunião foi o auditório, onde cabiam um número maior de pessoas. A reunião começou com uma cobrança explícita aos professores que chegavam atrasados para o início das aulas. Maravilha! Professor tem que ser pontual. A solução dada ao problema, na minha opinião, é que foi totalmente idiota: foi determinado que na hora marcada para o início das aulas o livro de ponto, que ficava normalmente na Secretaria, local de passagem de todos os professores e alunos, seria levado para a sala da zelosa coordenadora, que ficava num segundo andar de outro prédio, para que ela soubesse quem estava se atrasando. Mas que idéia infeliz! Se o professor já estava chegando atrasado para iniciar sua aula, seja por que motivo for, iria se atrasar muito mais, em prejuízo dos alunos. E não foi dada a opção aos professores de assinar o ponto após a aula dada, já que, neste caso, seu ponto seria cortado e ele receberia falta neste dia, mesmo tendo dado a sua aula. Apesar da idéia infeliz e, de certa forma, mais policial do que pedagógica, alguma coisa deveria ser feita para cobrar os atrasos e evitar que tal fato virasse rotina. Sendo a faculdade particular com os alunos pagando mensalidades, mais do que justo que os professores fossem cobrados para serem pontuais. A reunião teve prosseguimento com a coordenadora dizendo que a partir do mês seguinte iria cobrar dos professores o plano de aula até o fim do semestre. Outra estupidez! Provavelmente ela estava (a coordenadora pedagógica!!!) confundindo plano de aula com planejamento do curso. Cobrar plano de aula para todo o semestre é não saber que o plano de aula é flexível, podendo ser mudado para a aula seguinte a partir do ritmo empreendido pela turma, naquele dia específico de aula. Sendo assim, o plano de aula seguinte deve atualizar o conteúdo não trabalhado na aula anterior. O objetivo, segundo a coordenadora, era o de apresentar aos alunos, no primeiro dia de aula, o conteúdo de todas as aulas do semestre, para o caso deles faltarem um dia saberem o que cada um perdeu. Esta segunda idéia infeliz não chegou a ser concretizada, já que a coordenadora, para felicidade geral da instituição, acabou por ser demitida por desentendimento com os proprietários da Faculdade. Mas o mais alarmante aconteceu logo depois, quando a coordenadora, falando sem parar com ares professoral, tentando se passar como amiga dos professores, falava que os alunos costumavam ir ao seu gabinete para fazer queixa de alguns professores. Dizia ela que, enquanto os alunos em sala tratavam os professores com toda fidalguia, na sala dela eram verdadeiros Brutus assassinando Júlio César. E fechou seu discurso, ainda como se fosse um portento pedagógico, com a grande "pérola" da noite: "Cuidado professores! Os alunos são nossos inimigos!". Não estivesse eu sentado numa poltrona com braços dos dois lados, eu teria caído no chão. Como assim? Nossos Inimigos? Mas a instituição não vive em função dos alunos? Inimigos estão contra mim; inimigos eu não quero perto de mim; para inimigos eu não trabalho. Essa visão preconceituosa sobre os alunos é mais comum do que podemos imaginar. Certa vez, um colega professor, demitido da instituição em que trabalhava, tentando justificar a razão de sua demissão, saiu-se com outra "pérola" pedagógica: "Eu não vou dar bananas a macacos!". Tentava justificar que ele ensinava e eram os alunos que não queriam aprender. No meu entender se eu trabalho no Jardim Zoológico tenho que dar bananas a macacos, sim; se trabalho numa instituição de ensino tenho que me desdobrar para que meus alunos aprendam. Todo planejamento e administração de uma instituição de ensino deve estar voltado exatamente para isso: a aprendizagem dos alunos. E a medida desse processo é exatamente o estudante. Supõe-se que uma instituição de ensino qualquer mantenha em seus quadros uma equipe competente visando contribuir para o desenvolvimento do saber dos alunos. Em se tratando de uma instituição particular de ensino essa relação é mais marcante do que nas instituições públicas. Mesmo considerando que a responsabilidade seja a mesma, nas particulares os alunos estão pagando para levar o saber. Ora, um professor não ministra uma disciplina para nada. Em última instância o dever do professor é permitir, facilitar, repassar, orientar, saber para os alunos, seja qual for sua postura ideológica diante da educação. O planejamento de uma disciplina não deve ser dirigida aos alunos; isso é muito pouco. O planejamento de uma disciplina tem que estar dirigida aos alunos, dita de forma autoritária, segura e definitiva. Oferecer uma aula de física quântica para alunos de pedagogia é tão inútil quanto oferecer uma aula de dificuldades de aprendizagem para alunos de Física. A orientação deste planejamento estará sempre ligada aos alunos. Neste sentido, a coordenadora pedagógica da instituição em que trabalhei está completamente enganada: os alunos são os melhores amigos dos professores ou dos planejadores da educação. É a partir deles, e não para eles, que deve estar a base de todo planejamento pedagógico. O contrário disso é arrogância profissional, insuflamento do próprio ego, pedantismo pedagógico e o exercício de uma pedagogia autoritária e sem sentido. É preciso entender que só existe educação por que existe aluno. Não é porque existem professores e planejadores educacionais que existe educação. Os professores existem em função dos alunos e para exercer suas competências a favor deles. Em última instância os professores estão a serviço de seus alunos, como o médico para o paciente, ou o advogado para seus clientes. Os alunos são os termômetros dos professores. É a partir do diálogo constante, democrático e objetivo, entre planejadores, professores e alunos, que se faz educação. Se quisermos falar de democracia no ensino temos que pensar na democratização das salas de aula. Democratizar a Educação não é somente dar a todos o direito de estudar, mas também o direito de estudar numa escola democrática. E a qualidade da educação está intimamente ligada às observações, às criticas emanadas por nossos amigos alunos. Ver os alunos como nossos inimigos é estarmos, concomitantemente, assinando o atestado de incompetência. Quanto mais os ouvimos, seja lá o que for que eles tenham para nos dizer, mais chegaremos perto de atingir os interesses daqueles que estão garantindo a nossa sobrevivência, quando vêm em busca de saber.
Referência bibliográfica: BELLO, José Luiz de Paiva. Os alunos são inimigos dos professores. Pedagogia em Foco, Rio de Janeiro, 2001. Disponível em: . Acesso em: 18/05/2008 – 19:42.
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